(foto: Lucas Mamede/Divulgacao) |
Vários artistas têm lançado projetos inéditos em LP. É o caso de Chico Buarque (Caravanas, 2017), Gal Costa (A pele do futuro, 2018), Gilberto Gil (OK OK OK, 2018), Maria Bethânia (Oásis de Bethânia, 2012), Os Cariocas (Estamos aí, 2013) e, mais recentemente, Zeca Baleiro (O amor no caos – Volumes 1 e 2).
“Lançar vinil é muito pessoal, tem a ver com minha história com o disco, a memória afetiva e coisa e tal. Nem é bom negócio, porque é muito caro fazer LP hoje. Mas acho charmoso, é algo que aproxima os fãs de um certo perfil, tem caráter agregador. Continuarei fazendo porque sou apaixonado pelo formato”, diz Zeca Baleiro.
Na opinião do cantor e compositor, o bolachão voltou por várias razões – nostalgia, saturação de alguns formatos digitais e até pela própria dinâmica da indústria. “Inclusive, temos vários modelos de toca-discos disponíveis no mercado. Tudo isso cria uma onda. E é bom pra quem faz música”, observa Zeca.
Produtores e empresários do setor garantem: a onda não é passageira. E nem modismo. O músico, pesquisador e DJ Michel Nath acredita que a retomada do LP vem da demanda real e também de uma necessidade cultural e até comercial. “O fluxo é crescente. A retomada não ocorre só no Brasil, é planetária”, frisa.
Há cinco anos, Nath reformou o maquinário encontrado num ferro-velho e abriu a Vinil Brasil, que funciona em São Paulo. “Naquela época, tínhamos cerca de 60 fábricas do segmento no mundo. Hoje, são aproximadamente 120 justamente pelo aumento na procura. Não acredito em moda, mas uma volta pra ficar. O LP não voltará a ser produto de massa, até por questões de custo, mas a curva ascendente já tem cerca de 12 anos”, destaca.
Uma das impulsionadoras do boom é a gigante americana Amazon, complexo transnacional de comércio eletrônico. Desde agosto, sua filial brasileira disponibiliza catálogo de LPs com cerca de 10 mil opções – a maioria importada. Mario Meirelles, líder da área de mídia da Amazon Brasil, diz que as vendas de LPs no Brasil são um sucesso, superando os CDs. “A maior parte dos discos vendidos são clássicos estrangeiros – The dark side of the moon (Pink Floyd), Nevermind (Nirvana) e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Beatles), por exemplo –, mas há procura por álbuns de Raul Seixas, Novos Baianos, Belchior e Sandy & Junior. Também há demanda por aparelhos de vinil. São infinitos modelos”, afirma.
Apesar de não divulgar números, Mario diz que as expectativas da empresa foram superadas. Dezembro nem acabou, mas a meta de venda de LPs já foi atingida. A ideia é continuar investindo em 2020. “Tem a questão do colecionismo, mas também a procura pela obra de arte, algo com o som puro. Nossa intenção é aumentar o catálogo brasileiro”, afirma.
A Amazon aposta na parceria com a carioca Polysom, que durante muito tempo foi a única fábrica de LPs da América Latina. Desativada por vários anos, em 2009, ela foi comprada por João Augusto, presidente da gravadora Deck. Investe tanto em bolachões inéditos quanto no relançamento de clássicos como Realce, de Gilberto Gil, O filho de José e Maria, de Odair José, e Matança do porco, da banda Som Imaginário. Recentemente, João passou a investir nas lendárias fitas cassete.
“Os artistas vão sempre querer ter trabalhos publicados e difundidos nos formatos disponíveis. O vinil e agora o cassete têm charme especial pela qualidade do áudio, o tamanho das artes e o ritual de audição”, diz João Augusto. De acordo com ele, o mercado é amplo e há espaço para todos. “Até para um formato antigo como o vinil se tornar estrela do consumo de música. O público comprador quer, fundamentalmente, alguma alternativa diferente para ouvir música. Isso impulsiona o processo”, observa. De acordo com ele, é difícil definir com precisão o público consumidor de vinil. “A diversificação é muito grande, por diferentes motivos. Por isso, o vinil cresce tanto”, comenta, observando que colecionadores, sozinhos, não sustentam o boom.
Ritual
Um dos aspectos mais sedutores do vinil é o ritual que ele envolve. Alex Moreira, do Bossacucanova, diz que o streaming é marcado pela pulverização, enquanto o LP é experiência física. “Curiosamente, esse movimento não se limita a quem viveu a era do vinil. A juventude descobriu como é bacana o ritual de tirar o disco da capa, colocar na vitrola, ouvir o lado A e o lado B. É uma sensação única.”
Músico, produtor e masterizador, Arthur Joly garante que o vinil vai perdurar por conta de suas particularidades. “Você não consegue dar um link de presente para alguém, segurar um streaming ou sentir o cheiro dele. De todas as mídias, o vinil é o mais romântico, sem contar que as fábricas têm aperfeiçoado a tecnologia desse produto. Não só a qualidade, mas também o formato, o visual. Temos artistas lançando até vinil holográfico, o que é muito interessante. Eu mesmo fiz um”, revela.
Criador da Discoteca Pública – que funciona desde 2005 e tem sede no Bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, com acervo de 17 mil CDs e Lps –, Edu Pampani destaca que o mercado de vinil se expande, ao contrário do CD. “Carros e computadores mais novos não têm tocador de CD. Praticamente ninguém compra mais. O vinil fascina porque a gente vive nesta era digital, meio fria. O revival está ligado à busca de autenticidade”, acredita.
Preço
Um dos poréns do vinil é o preço. Michel Nath diz que a matéria-prima é importada e sofre o impacto da cotação do dólar, hoje nas alturas. “O disco sai da fábrica custando R$ 30, em média, mas oscila entre R$ 80 e R$ 140 quando chega ao consumidor. É caro, assim como tudo no Brasil, água, gasolina, moradia. As condições econômicas, sociais e os impostos, tudo isso complica”, alega Michel.
“Mesmo neste momento de recessão aqui e no mundo todo, o interesse pelo vinil só cresce. Mais e mais artistas querem lançar nesse formato, pessoas querem comprar e ouvir. É uma questão de preservação da memória cultural. Sem dúvida, o vinil voltou a ter o seu lugar na história”, conclui Michel.
Fonte:uai.com.br