"Nós somos as cantoras do rádio
Levamos a vida a cantar
De noite embalamos teu sono
De manhã nós vamos te acordar
Nós somos as cantoras do rádio
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço
Corações de Norte a Sul"
Gravada pelas irmãs Carmen e Aurora Miranda em 1936, a canção "Cantores do Rádio", de Lamartine Babo, Braguinha e Alberto Ribeiro, é um dos principais ícones do período em que o rádio começou a se popularizar no país e alcançar a simpatia e a paixão dos brasileiros.
Os anos 30 representaram um divisor de águas na história do rádio no país. Mas a verdade é que o pontapé da radiofonia brasileira veio um pouco antes, com o trabalho de voluntários e pioneiros nas chamadas rádios-clube ou rádios- -sociedade.
E, nesse início, o rádio estava longe de ser popular, como nos conta Sérgio Viotti, em áudio da coleção Documentos Sonoros do Nosso Século, da Editora Abril.
"Em 1922, uma barulhenta experiência não entusiasma o brasileiro; é a modesta estreia do rádio. Anos depois, Edgard Roquette-Pinto, pioneiro da radiofonia nacional, assim recordaria essa fase:
(...) A verdade é que durante a exposição do centenário da Independência em 1922, muito pouca gente se interessou pelas demonstrações experimentais de radiotelefonia, então realizadas pelas companhias norte-americanas: Westinghouse na Estação do Corcovado e Western Electric, na Praia Vermelha. Muito pouca gente se interessou. Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados na exposição. Ouvindo discursos e músicas reproduzidos, no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos, era uma curiosidade sem maiores consequências. (...)"
Roquette-Pinto fundou, em 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que ficaria para a história como a pioneira no país, apesar de alguns documentos indicarem que a Rádio Clube de Pernambuco, em Recife, teria sido, na verdade, a primeira a realizar uma transmissão radiofônia, em 1919.
Independentemente da controvérsia, fato é que, na década de 20 e início da de 30, o rádio ainda era elitista.
Além de os aparelhos custarem caro, quem os possuísse deveria pagar uma taxa para ter acesso ao receptor.
A tecnologia também não permitia que os rádios ficassem ligados por muito tempo. E a programação concentrava-se na transmissão de óperas e música clássica.
A grande mudança veio com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, a partir da Revolução de 30.
Já em 1931, o governo iniciou a regulamentação da radiodifusão e aboliu as taxas pagas pelos ouvintes para que os aparelhos fossem instalados em casa.
E, em 1932, a veiculação de anúncios comerciais passou a ser permitida no rádio.
Com a publicidade liberada, as emissoras foram, aos poucos, se popularizando. Afinal, quanto mais ouvintes mais anunciantes.
" Pílulas de vida do Dr. Ross
Fazem bem ao fígado de todos nós."
No início dos anos 30, havia 19 emissoras instaladas no país, segundo destaca Luiz André de Oliveira, em dissertação de mestrado concluída pela Fundação Getúlio Vargas. Em 1937, conta o autor, já eram 63 e, em 1945, 111.
Para atrair audiência, as emissoras comerciais abriam espaço para uma programação diversificada, formada por atrações musicais, humor e radioteatro.
Também era comum cederem espaço aos chamados programistas, que tornavam-se responsáveis por vender publicidade, redigir e produzir um programa variado.
Um dos pioneiros foi Ademar Casé, que, com o célebre Programa Casé, na Rádio Philips, recebia grandes ídolos da música popular à época, como Carmen Miranda e Francisco Alves.
Autor de uma biografia sobre a vida de Carmen Miranda, o jornalista Ruy Castro avalia que, nesse início da popularização do rádio, os cantores já consagrados pelos discos fizeram mais pelo rádio do que a radiofonia por eles.
"Eu tenho impressão de que o rádio no Brasil deve mais à Carmem Miranda do que ela ao rádio, porque quando ela começou a cantar profissionalmente, a gravar disco em 1929, 30, ela tinha 19 para 20 anos e você ainda não tinha exatamente o rádio no Brasil. (...) Mas quando isso aconteceu, a Carmen já era uma celebridade, (...) já tinha uma grande quantidade de discos gravados. Então, quando as rádios se abriram para propaganda e puderam finalmente contratar os cantores e artistas, e não apenas pagar por intermédio de cachê, a primeira artista contratada na principal rádio da época, que era a Rádio Mayrink Veiga, foi a Carmen. Imagine que muitas pessoas começaram a comprar aparelho de rádio porque podiam ouvir Carmen Miranda."
Lentamente, os papéis se inverteram, como analisa Ricardo Cravo Albin, que há 36 anos está à frente de um programa sobre música popular brasileira na Rádio MEC.
"A música popular não foi ajudada pela rádio, foi essencialmente lançada e revigorada e transformada numa mania nacional exatamente pelas emissoras radiofônicas no país."
No início dos anos 40, um dos maiores fenômenos culturais do Brasil era a Rádio Nacional.
Criada em 1936 pela iniciativa privada, a emissora passou para o patrimônio do governo federal em 1940.
Mas, diferentemente de outras empresas estatais, a Nacional continuou sendo administrada como uma companhia privada, sendo sustentada com publicidade.
Em dois anos, a Nacional se tornaria uma das cinco mais potentes emissoras do mundo, com antenas dirigidas para diferentes partes do país e do planeta.
Na programação, atrações musicais e pioneirismo. Foi na rádio Nacional, por exemplo, que a primeira radionovela brasileira foi ao ar: "Em busca da Felicidade" .
Os programas de humor e de auditório também conquistavam público, como explica Sérgio Viotti, na coleção Documentos Sonoros do Nosso Século.
"Na década de 50, a Rádio Nacional faz sucesso com novelas, programas de humor e de auditório, refletindo os gostos e as preferências populares. Entre eles, 'Piadas do Manduca' e o 'Programa César de Alencar':
Abertura do Programa César de Alencar:
Esta canção nasceu para quem quiser cantar
Canta você, cantamos nós, até cansar
Até bater
E decorar
Pra recordar vou repetir o seu refrão
Prepara a mão
Bate outra vez
Este programa pertence a vocês"
No fim dos anos 60, a Rádio Nacional ainda tinha uma vasta audiência. Mas essa já era a década da chegada da TV, que, aos poucos, levaria para as telinhas as atrações e as verbas publicitárias antes destinadas ao rádio.
Há 52 anos trabalhando com rádio, filho de pai e mãe radialistas, Roberto Rosemberg acompanhou os tempos áureos de emissoras como a Tupi do Rio de Janeiro e a Nacional.
Com a autoridade de quem viu de perto as transformações por que passou o meio radiofônico com a popularização da televisão, Roberto conta como as rádios tiveram que se ajustar aos novos tempos.
"Quando entrou a televisão, as verbas foram para televisão e, no país inteiro, o rádio teve que se adaptar. Teve que se amoldar a uma redução drástica de verbas. Aí veio o advento dos DJ, a FM entrando. (...) Mas o rádio foi se segmentando, foi melhorando, foi criando seu próprio caminho, foi criando rádios musicais, rádios eminentemente jornalísticas, que misturam informação, música e foi se adaptando com o advento da televisão."
A percepção de Roberto é confirmada pela pesquisadora Nélia Del Bianco, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.
Ela avalia que, diferentemente de décadas anteriores, o rádio parece não ser mais decisivo na formação do gosto musical, em especial dos jovens.
Mas na difusão de serviços e informação local, o meio radiofônico ainda guarda vantagem.
"O Rádio tem vantagem hoje na informação local. (...) Embora a internet possa ter agilidade para dar muitas informações, mas ela não tem agilidade para dar informação do que acontece na cidade. E aí entra o rádio com essa noção de proximidade, de vínculo com a comunidade, que permite uma atualização dos acontecimentos do entorno como mais agilidade e num nível de maior profundidade, que às vezes uma mídia nacional ou regional não consegue dar."
Até chegar ao ponto de levar informação local diretamente aos ouvintes, o radiojornalismo brasileiro também teve de passar por muitas mudanças.
Mas isso é tema para a próxima matéria.
De Brasília, Ana Raquel Macedo
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