De 1960 a 1969, em cada ano desta década, em cada um dos cinco continentes, em quase todos os 145 países de vários sistemas políticos, o mundo conheceu a rebelião dos jovens. Ao lado das guerras – e mais do que o sexo -, as manchetes dos jornais falaram da odisseia de 519 milhões de inconformados.
Mutantes da nova “era oral e tribal em dimensões planetárias, produzida pelas comunicações de massa”, segundo Marshall McLuhan, os jovens entre quinze e 24 anos - um sexto da população da Terra – são ao mesmo tempo mito e desmistificadores da sociedade. Consumindo e consumidos, contestando e contestados, Êles lutaram com tôdas as armas para destruir o velho e impôr o novo.
Na expressão dura dos jovens “enragés” ou na mansidão dos hippies, que o Arcebispo James Pike, da Califórnia, comparou aos primeiros cristãos, os anos 60 foram de luta e recusa, pacífica ou violenta, mas sempre radical.
A revolta juvenil não é uma particularidade desta década, mas agora ela deixou de ter simples motivações psicológicas (não mais uma “crise de adolescência”) para ganhar componentes sociológicos novos e se constituir em problema social. De um dia para o outro, “a nossa esperança do amanhã” resolveu fazer o presente. Como afirmaram, era preciso deixar de ser objeto para ser sujeito da História. De eterna ameaça romântica e simbólica eles passaram a ser destruidores radicais de tudo o que está estabelecido e consagrado: valôres e instituições, idéias e tabus. Com a pressa que lhes dá a sua provisória condição e com a coragem da idade, êles afrontaram a moral vigente e arrancaram as pedras das ruas para com elas pôr por terra as estruturas da sociedade: capitalista ou comunista, de opulência ou de miséria.
Em todos êles um máximo denominador comum: não. Mas, descrentes de tudo o que herdaram, os jovens perderam até a confiança no não que lhes tinham ensinado a dizer e criaram uma nova semântica da negação – o sim ao não – e uma nova forma de dizê-lo: a ação. Um não que podia ter a aparência de cabelos compridos, roupa suja, música estridente, pés descalços e “blue jeans”, ou assumir a forma mais ameaçadora de uma pedra na mão e uma idéia revolucionária na cabeça.
No princípio da década, repetindo na vida o que alguns ídolos dos anos 50, como James Dean e Marlon Brando, faziam no cinema, os jovens explodiram numa onda de violência sem objeto e sem sentido. De repente, como que obedecendo a um comando único, essa onda de espraiou por vários países. “Blousons noirs” franceses, “playboys” e transviados brasileiros, “beats” e “hell angels” americanos, “teddy boys” inglêses. Várias qualificações para falar de uma mesma atitude agressiva e uma mesma disposição violenta. Uma violência que se manifestava gratuitamente contra pessoas, carros, vitrinas, ou no desafio do perigo inútil: duelos a faca e canivete, corridas vertiginosas pelas madrugadas. Apenas um valor pareciam cultivar: o respeito e admiração do grupo ou da “gang”. No prazer da velocidade, no ruído ensurdecedor da motocicleta, o vento batendo no rosto e a máquina obedecendo dócil ao comando, o jovem do início da década começava a se manifestar no mesmo ritmo alucinante do “rock-and-roll”.
Suas caras selvagens assustaram, seus gestos surpreenderam. Podiam ser o primeiro problema jovem da década, como podiam ser também “impulsos naturais da juventude”. Outras épocas não tinham igualmente passado por isso?
Ao espalhar-se ruidosamente pelos bares, quebrando tabus (fumando, bebendo e se beijando), a “geração perdida” do primeiro pós-guerra também escandalizara as famílias, quando Scott Fitzgerald lhes revelou “êsse lado do paraíso”. (“Môças ceando depois dos bailes, às 3 horas da madrugada, em lugares incríveis, conversando sôbre todos os assuntos com ar meio sério, meio zombeteiro...”)
O segundo pós-guerra também produzira a sua geração-problema, a existencialista que se alimentava da “náusea” de Sartre e do absurdo de Camus, mergulhando, suja e despenteada, nas caves de Saint-German-des-Prés para se embebedar de absinto e das canções de Juliette Gréco. Como essas duas gerações, os nossos transviados tinham assustado a sociedade. Um susto que intranqüilizava mais pelos efeitos do que pelas causas, embora alguns vissem pelas manifestações o prenúncio de qualquer coisa de mais grave. O Presidente Kennedy chegara a dizer: “Temos os meios de fazer da geração atual a mais feliz da humanidade na história do mundo – ou fazer dela a última”.
Ensurdecidos pelo ruído de suas máquinas, nem todos perceberam que a juventude 60 não tinha apenas aquela cara rebelde que podia variar de contôrno mas não perdia a semelhança com as de outras épocas.
Fonte: Revista Veja
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